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Ser mulher e profissional é um teste de resistência

A história da ciência e tecnologia tem cientista mulheres que transformaram o mundo

  • Publicado: Sexta, 01 de Março de 2019, 17h02
  • Última atualização em Sexta, 01 de Março de 2019, 17h05
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Nossa última entrevistada para a série de reportagens em alusão ao “Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência”, comemorado no mês de fevereiro, trabalha no Instituto Federal do Pará (IFPA), campus Santarém, a professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), estudante de doutorado em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Graciana dos Santos de Sousa.

Natural de Santarém, município do oeste do Pará, às margens do Rio Tapajós, que apesar das belezas exuberantes da natureza, enfrenta sérios problemas como infraestrutura e saneamento básico, Graciana relata que viveu a realidade de uma vida na periferia do interior da Amazônia. Cresceu aos cuidados dos avós maternos, Consuelo Maria dos Santos e Antônio Sousa. “Minha avó sempre repetia que o conhecimento era única coisa que não podiam tirar de mim”. Meus avós eram analfabetos, ao ponto de não saber nem redigir o próprio nome. Mas, isso não impediu minha amada avó de reconhecer que os estudos poderiam me ajudar a ser “alguém””, relembra com gratidão.

Sua vida escolar iniciou aos oito anos, em 1992, na Escola Municipal de Ensino Fundamental ‘Magalhães Barata’,em um barracão que funcionava como salas improvisadas. “Minha turma, primeira série A, era separada da primeira série B apenas por uma parede de compensado. Tínhamos que nos comportar, ambas as turmas, pois o mínimo de agitação já era suficiente para atrapalhar o andamento das aulas. Essa era a realidade da escola.No ano seguinte, mudamos para sede definitiva. Fiquei nessa escola até o final da quarta série. Meu maior orgulho é a média 100 conquistada em Matemática durante a segunda série. Tinha facilidade em aprender Português e Matemática, e isso me possibilitou avanços na aprendizagem de Ciências”, recorda-se.

“Em 1996, já em Santarém, encerrei os ensinos fundamental e médio na escola Estadual ‘Júlia Gonçalves Passarinho’. Confesso que na segunda fase no ensino fundamental, apenas sobrevivi à escola. No final da oitava série, eu só queria encerrar essa fase. Acreditava que no ensino médio, eu teria mais uma chance de avançar como estudante. Eu estava certa! Recuperei o prazer pelos estudos. A cada ano minha aprendizagem já era refletida pelas médias nas disciplinas. No segundo ano do médio, reacendeu em mim a paixão pela Matemática. No final do ensino médio eu me orgulhava em citar as minhas matérias prediletas: Matemática (Professora Elisangela), História (Professora Lourdinha) e Física. Essa última, graças ao Márcio, professor de Física do cursinho solidário de pré-vestibular que eu frequentava”, cita com carinho os professores que contribuíram para reacender o amor pelos estudos.

Para conseguir passar no vestibular, Graciana conta que adotou uma rotina de estudos intensa. Em 2002, passou a fazer parte de sua rotina a visita constante à biblioteca - de uma faculdade particular aberta à comunidade-, aonde ia pela manhã pelo menos três vezes por semana fazer pesquisas. “Na escola, à tarde e à noite, dedicava-se à preparação específica para o vestibular. Em 2003, fui aprovada no vestibular para o curso de Licenciatura em Matemática na Universidade Federal do Pará (UFPA), Campus Santarém. No entanto sentia que faltava um algo. Depois de quatro semestres de pouco avanço acadêmico, decidi mudar de curso. Foi aí que finalmente reconheci o amor da minha vida, a Física. Mencionei anteriormente que ela estava entre as minhas matérias prediletas”, relata.

Sobre a vida acadêmica, Graciana comenta que, dos quatro anos e meio de graduação, dedicou três anos e meio à iniciação científica. Decisão muito importante para continuar os estudos e mestrado em 2010. “As adversidades me obrigaram a não avançar de imediato na pós-graduação. Em 2013, assumi as disciplinas de Física do Instituto Federal da Paraíba (IFPB/Campus Princesa Isabel). Fui contratada como professora substituta. Em 2015, assumi o laboratório didático de Física no Instituto Federal do Paraná (IFPR/Campus Assis Chateaubriand). E em 2016, assumi como docente no IFPA/Campus Santarém”, destaca Graciana o percurso que fez o mestrado.

“Quando iniciei o mestrado, em Física pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG/ PB), intencionava continuar os estudos em Computação Quântica. Mas, devido à impossibilidade de orientação do professor pretendido, acabei migrando de área. A pressão do cronograma do mestrado é desleal! De uma forma inesperada, acabei sendo conquistada pela área da Física da Atmosfera, que quase me levou ao doutorado em Meteorologia da UFCG”, ressalta.

Graciana ressalta que as experiências anteriores, com ensino de ciências, contribuíram para que ela, hoje, pudesse se dedicar à Educação Maker, desenvolvendo laboratório de Astronomia e Astronáutica (com medalhistas na Mostra Brasileira de Foguetes e na Jornada de Foguetes), Laboratório de Robótica com tecnologias Open Source em parceira com o Professor Kleberson Serique (com medalhista na Olimpíada Brasileira de Robótica- modalidade teórica, três projetos de Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Ensino Médio (PIBIC-EM) promovido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), dois projetos aprovados em editais da Pró-Reitoria de Extensão), coordenação local de diversas olimpíadas do conhecimento. “Posso dizer que me dedico à pesquisa e inovação com prototipagem de produtos educacionais, prototipagem de dispositivos com tecnologias Open Source, para uso em laboratórios didáticos e com potencial de aplicação a alguns laboratórios de pesquisa. E ainda, estudo e usinagem em impressão 3-d”, destaca.

Toda a dedicação ao ensino e divulgação de ciências criou as condições para Graciana ser uma dos 20 professores de Física selecionados para participar da Primeira Escola de Síncrotron de Professores de Ensino Médio, organizada pela Sociedade Brasileira de Física e o Centro Nacional de Pesquisa em Energias e Materiais (CNPEM). “No evento na sede do CNPEM, no período de 14 a 18 de janeiro de 2019, em Campinas-SP, tivemos contato com a mais alta tecnologia de ponta desenvolvida e aplicada no Brasil. A programação contou com aulas e palestras de Física moderna e clássica com os pesquisadores de renome mundial, visitas a diversas instalações do CNPEM. Entre elas, o antigo acelerador de partículas (LNLS) e o novo, o Sírius. Um dos objetivos principais do evento é trabalhar os conceitos aplicados à tecnologia dos aceleradores e da radiação síncrotron com os conceitos trabalhados no ensino médio das escolas brasileiras”.

Recentemente, Graciana foi aprovada para cursar o doutorado em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde pretende desenvolver pesquisas em Física da Matéria Experimental.

Sobre a presença feminina na Ciência, Graciana comenta que sua grande inspiração é a Madame Curie, cientista polonesa que descobriu os elementos químicos Rádio (Ra) e o Polônio (Po), primeira mulher a ser laureada com um Prêmio Nobel e a primeira pessoa e única mulher a ganhar o prêmio duas vezes. “Ao longo do século XX, as mulheres conquistaram mais espaço nas ciências e engenharias. Quando deixamos as mulheres fora da ciência e da pesquisa, estamos desperdiçando nossos recursos humanos. A história da ciência e tecnologia tem cientista mulheres que transformaram o mundo. Precisamos conhecer suas histórias”, afirma.

Considera que percebeu em alguns momentos um preconceito velado, mas nada que pudesse atrasar sua progressão acadêmica. Mas, em casa, vivenciou a criação patriarcal. “Engraçado que a maioria das situações de limitação por eu ser mulher se deram na minha própria casa. Apesar do apoio e incentivo de minha avó em meus estudos, eu não podia nem cogitar brincar com bola com os coleguinhas (meninas e meninos) na rua. Era meio que meninos brincam com “bola” e meninas com “boneca”. Isso me irritava um pouco. Das poucas vezes que ganhei permissão para brincar na rua, eu jogava futebol melhor que muitos meninos (Risos). Aí me dei conta que eu poderia fazer as coisas com as mesmas qualidades ou com qualidade superior, independente de meu sexo”, explica.

No entanto, afirma que as mulheres ainda são obrigadas a produzir mais para serem reconhecidas. “Não apoio a “guerra dos sexos”, porque cada ser humano tem sua particularidade no desenvolvimento de suas competências e habilidades. No entanto, vivemos numa sociedade patriarcal. Ser mulher e profissional é um teste de resistência. Algumas superam outras são suprimidas. Enquanto, não reconhecermos e eliminarmos as “violências” acometidas às mulheres, pouco progrediremos em igualdade de direitos”, afirma Graciana.

Quando questionada se Ciência combina com feminilidade, a futura doutora em Física garante que as mulheres podem ir até onde seus sonhos forem capazes de as conduzirem. “Quando a mulher adentra um campo dominado por homens, às vezes é necessário adotar uma postura mais “dura”. O esperado, geralmente, é que as mulheres sejam “frágeis”, dependentes, mais emotivas, ou seja, os estereótipos “femininos”. Feminilidade da mulher na ciência é a liberdade em: ser, desenvolver, criar e inovar, sem ter que “imitar” a postura masculina. Lugar de menina é nas ciências e engenharias. Precisamos de vocês!”.

 

 

 

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